Postagens

Mostrando postagens de agosto, 2020

Afirma Pereira e os nossos dias

Imagem
  Almada Negreiros.  A partida dos emigrantes , c. 1948, tríptico (painéis central e lateral direito),  Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos , Lisboa   Afirma Pereira (1994), do escritor e tradutor Antonio Tabucchi , vem bem a calhar em nossos dias. Considero-o um texto muito rico. Além de referências literárias e filosóficas, Tabucchi compõe a linguagem literária lançando mão das estéticas que menciona. E transmite a atmosfera tensa e sombria da ditadura salazarista. O contexto aqui é 1938, imaginem. Em “Nota”, o autor explica como elaborou a personagem, o velho jornalista Pereira. Era apenas um personagem à procura de um autor. De imediato, reconhecemos nessa confissão, a presença do dramaturgo, poeta e romancista siciliano Luigi Pirandello . Supostamente, a base para essa personagem é um jornalista português, exilado na França, que Tabucchi teria conhecido no final dos anos 1960 e que escrevia em um jornal parisiense. Exercera sua profissão de jornalista por volta de

Desnorteio (Paula Fábrio)

Imagem
  Nas primeiras linhas desse romance (vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2013), penso em Derrida *, ao dizer que o livro é um labirinto: quando pensamos em sair dele, já estamos perdidos em suas profundezas, sem chance de salvação. É isso que acontece com a escrita experimental e fascinante de Paula Fábrio **. É preciso coragem para se enredar em sua narrativa, pois aqui não existe ilusão, a realidade esbofeteia sem dó. Mas não sem poesia. Com inteligente sutileza, a autora apresenta a trajetória da família Oliveira por meio de múltiplas vozes. A arquitetura narrativa impressiona, uma vez que acompanhamos as misérias de Dôrfo, Miguel e Bené não só pelos pontos de vista deles próprios, mas também pelas perspectivas de um menino de quinze, uma mulher de quarenta e uma senhora de setenta e oito anos. Lançando mão de uma linguagem ora cinematográfica, ora dramatúrgica, os capítulos se apresentam como se fossem cenas que se fixam como imagens cinzentas, ou peças que nunca esqu

A Quarentena (Le Clézio)

Imagem
  Conheço poucas pessoas que leem Le Clézio, cuja obra conheci na graduação, uma vez que escolhi francês como primeira língua. Há muitos anos não o lia e, entre caminhos e escolhas que se apresentaram a mim nos últimos seis meses, voltei ao francês – autor e língua –, porque misteriosas e infinitas son las leyes del azar [1] . Mas, não por acaso, escolhi esse romance. Queria encontrar alguma semelhança com o presente. Surpreendi-me com a escrita literária de Le Clézio, do começo ao fim. Devo informar que o ganhador do Nobel de Literatura de 2008 é um dos mais importantes escritores franceses. Nasceu em Nice, em 1940. Sua família, originária da Bretanha, emigrou para a ilha Maurício no século 18. Essa informação é imprescindível para o significado desse romance. Pois, em 1891, ao voltar para casa de uma temporada na França, o avô de Le Clézio é posto em quarentena numa das ilhotas próximas de Maurício. O navio em que viajava carregava passageiros contaminados com varíola. Esse epi

A intelectual Mary Shelley

Imagem
             Cheguei até Mary Shelley (1797-1851) por causa de uma epígrafe. Acredita-me, Frankenstein, eu era bom, a minha alma transbordava de amor e caridade; mas tu não vês que estou só, desesperadamente só? Tu, meu criador, detestas-me; que posso esperar dos teus semelhantes, que nada me devem? Eles repelem-me e odeiam-me. [...]   Contudo, está nas tuas mãos fazer-me justiça. Deixa-te enternecer e não me desdenhes. Ouve a minha história; depois de a ouvires, abandona-me ou lastima-me, mas escuta-me. Está na página 11 do romance de Isabela Figueiredo, A gorda , publicado no Brasil em 2018 pela Todavia. Portanto, não sei informar quem traduziu. Mas a questão é que tive vontade de ler Frankenstein . Li em uma quinzena a DELUXE EDITION da Darkside, coleção Medo Clássico, com a introdução e ótima tradução de Márcia Xavier de Brito , publicada em 2017, com as ilustrações de Pedro Franz . Frankenstein  (1816) – romance gótico fundamental na história do horror moderno, um dos livros